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Os trabalhadores de atividades que sofreram restrição ou fechamento por parte dos Poderes Públicos não podem ser dispensados durante a pandemia

A legislação abrange não só os trabalhadores doentes ou que estejam com suspeita de contaminação, mas todos os empregados de empresas cujas atividades sofreram restrição ou fechamento.

A Argentina (Decreto de Emergência Pública n. 329/2020) e a Espanha (RealDecreto-ley 9/2020) de uma maneira explícita e direta proibiram a dispensa de trabalhadores durante a pandemia. Muito embora a legislação de emergência sanitária brasileira não tenha sido explícita e abrangente a respeito, detida análise jurídica dessa ordenação de exceção permite chegar, em termos práticos, muito próximo às referidas regulações dessas nações ibero-americanas.

Vamos direto ao ponto: o parágrafo 3° do artigo 3° da Lei 13.979/2020, a lei federal que trata sobre o enfrentamento da pandemia no território nacional, dispõe que as faltas ao trabalho decorrentes das medidas previstas no mesmo artigo serão consideradas justificadas.

As medidas previstas no mencionado artigo 3°, dentre outras, são as seguintes: (i) isolamento e (ii) quarentena. Ou seja, os trabalhadores sujeitos a isolamento e quarentena têm abonadas, legalmente, suas ausências ao trabalho.

Do ponto de vista do Direito do Trabalho, as faltas abonadas pelo legislador são consideradas, tecnicamente, como prorrogação do contrato de trabalho, em distinção doutrinária ao conceito da suspensão contratual.

O nosso mais autorizado jurista do Direito do Trabalho contemporâneo, o Ministro Maurício Godinho Delgado, em seu clássico manual, sedimentou o entendimento de doutrina e jurisprudência, consagrado há tempos, a respeito da distinção entre prorrogação e suspensão do contrato de trabalho, in verbis:

Suspensão: características – A figura celetista em exame traduz a sustação da execução do contrato, em suas diversas cláusulas, permanecendo, contudo, em vigor o pacto. Corresponde à sustação ampla e bilateral de efeitos do contrato empregatício, que preserva, porém, sua vigência.

(DELGADO, 2019, p. 1.266)

Já a prorrogação é definida pelo mesmo autor da seguinte maneira:

A interrupção é, pois, a sustação restrita e unilateral de efeitos contratuais, abrangendo essencialmente apenas a prestação laborativa e disponibilidade obreira perante o empregador.

(DELGADO, 2019, p. 1267)

Nesse sentido, é incontroverso, tanto na doutrina, como na jurisprudência, que a interrupção possui natureza unilateral, ou seja, a despeito de suspender a contrapartida do trabalho humano, não suspende a contraprestação pecuniária que remunera o trabalhador.

A literalidade da norma contida no parágrafo 3° do artigo 3° da Lei 13.979/2020 permite concluir que as ausências ao trabalho abonadas pelo referido período de afastamento configuram, juridicamente, modalidade de interrupção do contrato de trabalho. Em outras palavras, essas ausências serão remuneradas.

Além disso, é importante salientar que o estado jurídico de interrupção contratual suspende ainda mais um efeito do pacto trabalhista, qual seja, o de denúncia imotivada do contrato laboral por iniciativa do empregador, nos termos do artigo 471 da CLT. Ainda que escusado, lembre-se que esse preceito, ao tratar da suspensão e interrupção do contrato de trabalho, dispõe que:

Ao empregado afastado do emprego, são asseguradas, por ocasião de sua volta, todas as vantagens que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à categoria a que pertencia na empresa”.

Em consonância à teoria geral do direito, portanto, há um complexo normativo perfeito (legesperfectae) que autoriza a declaração de nulidade do ato de dispensa do trabalhador, em relação às empresas abrangidas pelos atos de isolamento e quarentena decretados pelos poderes públicos (federal, estadual ou municipal).

Diante disso, resta apenas esclarecer qual é esse rol de trabalhadores protegidos por tal medida de exceção.

Uma primeira e apressada análise pode nos levar a concluir que integram esse conjunto somente aqueles trabalhadores que comporiam, nos termos da lei, o grupo de “pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes”, além, é claro, do grupo de pessoas efetivamente doentes, as quais têm seus contratos de trabalho interrompidos nos primeiros 15 dias e, a partir de então, suspensos, com a remuneração paga pelo órgão previdenciário.

Atenta leitura, contudo, do mencionado parágrafo 3° do artigo 3°, combinado com o artigo 2° da mencionada lei da pandemia, permite vislumbrar que o rol de tutelados por essa garantia é bem mais amplo, abrangendo não somente os trabalhadores doentes ou os suspeitos de contaminação, mas todos os trabalhadores, desde que trabalhem para empresas atingidas por restrição ou fechamento decorrente de atos dos poderes públicos.

Como se vê do multicitado parágrafo 3° do artigo 3° da Lei 13.979/2020, a proteção é estendida não apenas a pessoas, mas, na literalidade desse dispositivo, a todas medidas nele previstas:

§ 3º  Será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo(grifo nosso)

Como se viu, dentre as várias medidas previstas no artigo terceiro estão as duas principais, (i) isolamento e (ii) quarentena.

quarentena não é um conceito legal restrito às pessoas com suspeita de contaminação, mas também abrange as restrições impostas a empresas, como consta do inciso II do artigo 2° da Lei 13.979/2020:

II – quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus. (grifo nosso).

Nessa ordem de ideias, força concluir que não só os trabalhadores doentes ou que estejam com suspeita de contaminação, mas todos os empregados, que trabalhem para empresas cujas atividades sofreram restrição ou fechamento por ato dos poderes públicos, encontram-se com o contrato de trabalho prorrogado e, por conta disso, amparados pelo direito de retorno ao trabalho, nos termos do artigo 471 da CLT, ficando o empregador impedido de exercer o ato de dispensa imotivada.

Da Medida Provisória 936/2020

A medida provisória 936/2020, no contexto apresentado pela lei da pandemia, vem a trazer uma solução de ordem econômica para as empresas atingidas pelas restrições de suas atividades, incluído o fechamento temporário, subsidiando integralmente ou em parte sua folha de pagamento, conciliando os interesses do setor produtivo e dos empregados na preservação dos postos de trabalho, e dando concretude aos princípios encampados pela Constituição da República de preservação da dignidade humana mediante a promoção do pleno emprego.

Partindo-se, pois, desse pressuposto, qual seja, de que a norma de ordem econômica visa a subsidiar uma norma legal de tutela trabalhista, parece mais do que razoável compatibilizar-se, do ponto de vista jurídico, essa proteção laboral prevista pelo parágrafo 3° do artigo 3° da Lei 13.979/2020 à medida do Estado de amparo às empresas.

A MP 936/2020 aperfeiçoa a proteção provisória do emprego durante a pandemia, porquanto fornece amparo monetário para a viabilização jurídica da garantia temporária ao trabalhador, e permite a concretização efetiva das medidas sanitárias de isolamento social, que do contrário seriam inócuas pela necessidade humana de viabilização de subsistência, por meio do trabalho.

O defeito maior da medida, a redução de salário sem a participação sindical, havia sido parcialmente solucionado pela liminar concedida pelo Ministro Lewandowiski, na ADI 6363, proposta pelo partido Rede Solidarieade, que condicionara a validade do acordo individual à anuência, ainda que tácita, do sindicato profissional. Infelizmente, o STF não compreendeu a ponderação feita pela Ministro Lewandowiski e sacramentou uma espécie de quarentena, da própria Constituição.

O ajuste mais adequado à garantia do preceito de irredutibilidade salarial, contido em nossa Carta Magna, seria entender-se que a ajuda compensatória mensal, prevista no artigo 9° da MP 936/2020, fosse obrigatória, de modo a assegurar ao empregado, por meio do somatório do valor despendido pelo empregador e o benefício emergencial, o valor do salário originalmente percebido.

Segundo estudo da Universidade de Oxford, o programa da MP 936/2020 tem o espírito correto, mas foi mal desenhado, sobretudo para um grande contingente de trabalhadores que ganha entre 3 e 4 salários mínimos, que terá uma perda salarial na ordem de 56% (ULYSSEA, encurtador.com.br/dwy69 )

Não parece, contudo, que demande maior esforço hermenêutico a interpretação no sentido da obrigatoriedade do pagamento de tal ajuda compensatória, sobretudo com o objetivo de se prestigiar a cláusula pétrea alusiva à irredutibilidade dos rendimentos do trabalho humano subordinado, pois basta compreender-se o verbo ‘poder’, contido no mencionado artigo 9° da medida provisória em análise, não em oposição ao sentido semântico de ‘dever’, mas como permissivo legal para a não integração à remuneração, sobretudo para efeitos fiscais e parafiscais.

A partir de tal leitura, nos parece razoável até mesmo a dispensa da notificação sindical, pois, em termos de subsistência do trabalhador, não teria ele reduzidos seus ganhos – no momento tão dramático para todos como a atual quadra sanitária e econômica que se nos apresenta.

Publicado originalmente em:

Publicado também em:

https://estadodedireito.com.br/os-trabalhadores-de-atividades-que-sofreram-restricao-ou-fechamento-por-parte-dos-poderes-publicos-nao-podem-ser-dispensados-durante-a-pandemia/

Sobre o autor

José Eduardo de Resende Chaves Júnior

José Eduardo de Resende Chaves Júnior é doutor em direitos fundamentais,  advogado, Desembargador aposentado do TRT-MG, Professor Adjunto do IEC-PUCMINAS e Professor convidado do Programa de pós-graduação (mestrado e doutorado) da Faculdade de Direito da UFMG. Diretor do Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho – IPEATRA.

Paulo Eduardo Queiroz Gonçalves

Paulo Eduardo Queiroz Gonçalves é magistrado, Titular da da 1ª Vara de Sete Lagoas e especialista em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da UFMG

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